Carta 5

Prezado Augusto Boal,

 

Primeiramente gostaria de dizer que me tornei um grande admirador do trabalho que você desenvolveu ao longo de sua vida. Você me ajudou a enxergar o meu papel como um agente transformador do mundo, e a importância e poder que o teatro tem nessa transformação.

A metodologia do Teatro do Oprimido é extremamente eficiente como ferramenta para o desenvolvimento da capacidade de se expressar por meio da linguagem teatral, tanto para atores quanto para não atores. É urgente e necessário trazer à consciência do povo as questões de opressão. Como você mesmo me disse certa vez: O teatro é uma arma e o povo é quem deve manejá-lo.

Há cinco anos comecei a desenvolver trabalhos aplicando a sua metodologia na instituição pública na qual eu trabalho, a Adasa - Agência Reguladora de águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal.

A Adasa é uma agência reguladora e fiscalizadora que tem como missão regular e promover a gestão sustentável dos Recursos Hídricos, a qualidade e universalização dos serviços públicos de saneamento básico, em benefício da sociedade do Distrito Federal.

A indisponibilidade de água suficiente para o atendimento de todos os usuários pode gerar conflitos, que muitas vezes necessitam de intervenção do poder público para que sejam solucionados de forma pacífica. As regras de divisão da água são estabelecidas com a participação dos usuários detentores de outorga de direito de uso de recursos hídricos. A Alocação Negociada de Água tem o objetivo de realizar o compartilhamento da água, em determinada bacia hidrográfica, sobretudo durante o período seco, quando a quantidade demandada é maior que a quantidade disponível.

Embora a Alocação Negociada de Água fosse participativa e, teoricamente, todos os usuários de água teriam a oportunidade de manifestar as suas necessidades e lutar pelos seus direitos, eu verificava que o ambiente das reuniões acabava por intimidar principalmente os usuários com menor grau de instrução, como os irrigantes por exemplo. Assim, sempre prevaleciam os interesses das grandes empresas como a Caesb - Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal.

Foi a partir desta constatação que eu vi no Teatro do Oprimido a possibilidade de dar voz aos pequenos usuários e uma forma de sensibilizar os representantes das grandes empresas de que os usuários da irrigação estavam sendo oprimidos.

Inicialmente enfrentei forte resistência por parte da minha chefia para a implementação do Teatro do Oprimido no serviço público. Os meus chefes sequer sabiam que eu era um ator e em um primeito momento acharam que tratava-se de um devaneio de minha parte.

Depois de muita conversa e de mostrar exemplos práticos da utilização do Teatro do Oprimido, os meus chefes começaram a enxergar as mudanças positivas que a metodologia poderia alcançar.

As técnicas que mais se mostraram efetivas para alcançar o meu objetivo foram o Teatro Fórum e o Teatro Legislativo.

Passamos a fazer a primeira reunião de alocação de cada ano na forma de Teatro Fórum. Os irrigantes presentes eram convidados a entrar em cena e, atuando teatralmente, não apenas usando a palavra, revelar pensamentos, desejos e estratégias para que a água fosse repartida de maneira justa.

Uma vez que a Adasa também estabelece normativos referentes ao uso de água no Distrito Federal, começamos a utilizar o Teatro Legislativo para que os anseios dos irrigantes pudessem ser levados em consideração quando da elaboração de tais normativos.

As experiências desenvolvidas ao longo desses cinco anos foram muito bem recebidas por todos. Os irrigantes se sentiram realmente atuantes na gestão da água e as grandes empresas deixaram de utilizar sua força política para que seus interesses econômicos prevalecessem.

Te agradeço do fundo do meu coração por ter produzido esse legado que possibilitou tantas transformações no Distrito Federal no tocante à gestão do uso da água.

Gostaria de convidá-lo a acompanhar de perto as atividades que desenvolvemos no Distrito Federal, para que iniciativas como essa possam ser replicadas em outros lugares do Brasil e para que possamos aprimorar as técnicas aplicadas aqui.

 

Um grande abraço.


Comentários

  1. Bom, a primeira coisa a ressaltar é o citamento da metodologia utilizada no teatro, eu fiz teatro durante dois anos e meio no colégio Espu-Coc com a professora Lidiane e infelizmente tive que parar de fazer pois ela saiu da escola para trabalhar em outra, mas aonde eu quero chegar é que, uma das técnicas que ela utilizava era a do oprimido, pois alem de ajudar a expressar o sentimento do personagem, ele também ajuda a construir o personagem!
    Isso me ajudou bastante a achar o andar, a fala, o jeito de uma senhora de idade!
    Acho perfeito essa metodologia, e todos que fazem teatro deveriam utilizar mais.
    A segunda é que eu gostaria de parabenizar a pessoa que começou a utilizar esse método na Adasa e por não ter desistido de "enfrentar" os chefes para realizar esse projeto...
    LETICYA TAUANNY DE LIMA ARAUJO.

    ResponderExcluir
  2. Admiro a sua estratégia de trazer o Teatro do Oprimido para um contexto mais próximo e aplicar em uma situação que poucos imaginariam: o local de trabalho. Você definitivamente cumpriu seu papel de cidadão e agente transformador do mundo, com uma atitude que deveria ocorrer mais frequentemente: dar voz ao próximo. O Teatro do Oprimido é libertador e, assim como você demonstrou (de forma prática), pode ser usado em diversos contextos.
    Ricardo Augusto Alves França

    ResponderExcluir
  3. Admiro a sua estratégia de trazer o Teatro do Oprimido para um contexto mais próximo e aplicar em uma situação que poucos imaginariam: o local de trabalho. Você definitivamente cumpriu seu papel de cidadão e agente transformador do mundo, com uma atitude que deveria ocorrer mais frequentemente: dar voz ao próximo. O Teatro do Oprimido é libertador e, assim como você demonstrou (de forma prática), pode ser usado em diversos contextos.
    Ricardo Augusto Alves França

    ResponderExcluir
  4. Olá! Gostaria de dizer que concordo muito com o seu pensamento de que o teatro é um grande agente transformador. Acredito que a arte tem a capacidade de fornecer muitas oportunidades e meios para a mudança de vida e por isso deveria ser mais incentivada a todos. Isso aconteceria no intuito de democratizar os meios de produção, a fim de romper o pensamento de que produzir arte é para a elite. Por isso, Augusto Boal defendia que o público deveria tomar a condição de produtores, presenciando como a arte é capaz de causar mudanças. Desejo que o Teatro do Oprimido continue permitindo que você realize seus sonhos e atue em muitas outras vidas.

    Ana Luiza Lira Barbosa

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Carta 25

Carta 10