Carta 13
Samambaia - DF, Abril, 2020
Querido Boal,
Queria já começar agradecendo.
Invertendo a ordem as coisas. É que conhecer seu trabalho, foi de enorme
importância na minha vida. Digo, não somente pelos trabalhos que realizo
baseado na sua metodologia. Mas a transformação pessoal. Antes de me tornar
multiplicadora do Teatro do Oprimido, eu precisei compreende algumas coisas em
mim.
Desde criança
enfrento muitas repressões simplesmente por existir. Por ter nascido mulher.
Por ser afro descendente. E claro, por não compor a classe social mais
privilegiada. E tem mais, não são somente as minhas repressões. Carrego ainda,
as sentenças de quem veio antes de mim. Sabe como é?! Tô falando de Ancestrais.
Sou elas! E transporto memórias. Dentre elas, as dores. É... Aqui dentro!
Sabe Boal, se
entender como indivíduo na sociedade é algo muito complexo. Porque o
conhecimento me parece um buraco sem fundo. E saber dói! Tem que se ter muita
coragem. Porque uma vez expandido, não tem como voltar atrás. Mas entendo
também que o conhecimento liberta. Não só entendo, como acredito. E é por isso,
que me sinto inspirada para ser mediadora dessa técnica.
Minha mãe sempre
dizia que eu sou utópica. Que eu quero mudar o mundo. É que me agrada muito
saber que a natureza das coisas são mutáveis. Que estamos em movimento, e que
tudo pode ser transformado. Ou seja, não precisamos nascer e morrer ocupando os
mesmos lugares. E, podemos ser AGENTES MODIFICADORES DA NOSSA PRÓPRIA
REALIDADE. Ah! Isso me instiga.
Entendi que a Arte,
com as suas múltiplas manifestações, seria o meio para executar as minhas “utopias”.
Porque a Arte afeta! Então, decidi ser arte educadora, e utilizar as práticas
do Teatro do Oprimido. Sabendo que poderia inseri-la em diversos contextos.
Hoje, utilizo o Teatro Fórum para realizar um trabalho com mulheres negras e
periféricas. Possibilitando uma reflexão sobre seu papel social e político. E,
evidenciando seus potenciais em libertar as opressões vividas. Confesso Boal,
que esse trabalho é uma troca. Que ao mesmo tempo que sou facilitadora, também
sou aprendiz.
Há alguns anos, realizo
também, oficinas com prática de saberes ancestrais. Emprego jogos propostos por
você, e conhecimentos que obtive através da minha formação na Pedagogia Griô.
Realizamos ritos através de cantigas, danças, instrumentos musicais, rodas,
contação de histórias e brincadeiras. A vivência é imprescindível em coletivo.
O propósito é gerar consciência comunitária, com foco na expressão da
identidade, e vínculo com a ancestralidade. Compreendo como missão, fortalecer
esses legados dos meus antepassados.
Mas voltando a falar
nos dias de hoje, essa carta também é sobre isso. Estamos vivendo um momento
histórico. E isso não significa que é necessariamente algo bom. A humanidade
está passando por uma crise caótica, refletida em uma pandemia. É, isso mesmo.
Uma pandemia! Dá pra acreditar?! Logo nós, que nos consideramos tão evoluídos.
Nesse exato momento mais específico, estamos todos em quarentena. Confinados.
Obrigados a reinventar novas formas de viver.
Mas não para por aí…
Não bastasse o surto de saúde, ainda estamos enfrentando situações bizarras na
política. Sei que você já é familiarizado e que não é algo de se espantar vindo
do Brasil. Mas parece que esse país tem um karma. Credo! Aquela velha
história:Governo golpista, fascista, genocida, racista, homofóbico, misógino.
Estamos a um fio de outra Ditadura. Na verdade, penso que já estamos
vivenciando ela.
A luta contra a
opressão é atemporal. A gente passa a vida inteira desconstruindo e
reconstruindo, e ainda tem coisas pra desconstruir. Mas olha Boal, de alguma
forma, você me traz um certo sentimento de esperança. É. Essa coisa de
libertação, transformação sabe?! É a minha grande fé e confiança. Na Arte que
salva!
Minha enorme admiração e gratidão.
Muito bom, gostei muito de saber que existe pessoas assim, que se importa com a transformação da sua realidade, além de querer ajudar a comunidade das mulheres. É uma atitude muito instigadora, que nos faz ter vontade de transformar o mundo com uma simples atitude.
ResponderExcluirMel Azevedo, estudante do colégio Cor Jesu.
Foi muito divertido ler uma historia de alguém que pensa como eu que quer mudar o mundo e faz isso não de modos gigantescos e sim modos simples como a arte e ainda de uma pessoa que e margem da sociedade e muito inspirador.
ResponderExcluirDavid Leonel, ESPU COC 3-EM
Ana Clara Gonçalves - Espu COC
ResponderExcluirOlá escritora, em meio a tantas cartas, fico feliz de ter encontrado especialmente a sua. Você transmite revolução, mudança, combate à repressão e muita força, aspectos esses que Boal suplicava para se ter em sua metodologia.
Fico extremamente feliz que tenha se encontrado no meio da arte e tenho certeza que um de seus propósitos é de inspirar e demonstrar que devemos ter esperança na transformação, nas ideologias e na luta por uma sociedade mais justa e consciente. As pessoas mais importantes do mundo são as utópicas.
Só tenho a agradecer por ter compartilhado de sua história e também tenho que agradecer a Boal por nos ter proporcionado esse encontro, mesmo que breve, de pensamentos. Parabéns pelo seu trabalho! Um dia toda sua luta será transformada em liberdade para as gerações futuras.
Essa carta é inspiradora. O método do teatro é justamente esse, passar informações e conscientizar pessoas de assuntos da sociedade, como esse. Passa para os leitores que a autora tem a vontade de lutar por seus direitos.
ResponderExcluirMillena Neves Mariano Pozzo - coc
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSua carta traz o que eu penso que é a principal inspiração de todo verdadeiro artista: a esperança de um mundo melhor por meio da arte, mesmo que seja uma utopia distante e que muitos fatores como a própria opressão buscam de todas as maneiras evitar. A dificuldade de se expressar após anos de repressão é notável mas eu agradeço muito a Deus por cada vez mais o mundo tem acordado para escutar as vozes dos oprimidos. Espero que um dia, a arte receba seu real galardão e acredito que Boal esteja muito feliz por ter várias pessoas buscando essa filosofia.
ResponderExcluir- Isaque dos Santos Sousa 3 EM do Colégio ESPU-COC Taguatinga