Carta 12

Brasília, 28 de abril de 2020

 

Caro Boal

 

            Meu querido mestre Boal. Como está as coisas por ai? Já colocou São Pedro para conversar com Oxum? Já avisou a Jesus que os seus seguidores estão distorcendo as coisa. Enfim, meu mestre a saudade bateu aqui e resolvi te escrever, até porque as coisas por aqui não está nada bom ou bem, sei lá. Chegou mais uma doença com um vírus novo (já está no 19) e colocou o opressor e o oprimido todos no barco que pode afundar, mas ainda há barcos melhores para opressores e no seu país natal tem um fascista no poder e Ele quer salvar a economia e nem ai para vida do trabalhador, ou melhor de ninguém. Fico até nervoso só em escrever. Agora mesmo estou escrevendo com uma máscara, iguais àquelas usadas pelos médicos, só pra não ser contaminado pelo vírus. Desculpa meu mestre, tá foda até explicar essa pandemia mundial, é mundial! O mundo todo está dentro de casa e ai meu grupo Moradores Pensantes teve que dá uma pausa. Estou bastante preocupados com eles, mas vou te situa como estamos aqui com o nosso grupo. 

Hoje, fizemos cinco anos do Grupo e não tinha como não escrever para você. Já temos grandes avanços, sabe Carlos Xibiu? Aquele garoto muito inteligente que estava consumindo muita droga. Está um bom tempo sem consumir e ainda ajudando nosso grupo. Incrível, ele está lendo muito sobre o nosso teatro oprimido e vem sendo um multiplicador. Fica mais fácil o acesso com ele, pois ele ainda vive na rua. 

Já fizemos vários espetáculos e até conseguimos uma grana, para aliviar um pouco a galera do grupo. O último fizemos várias cenas do teatro invisível em vários templos, e essa experiência queria te contar. Separamos seis atores do Grupo, e arrumos uma criança também. Visitamos 15 igrejas evangélicas (protestantes) e católicas e dois terreiros. A nossa ideia era arrecadar alimentos. Quando acabava os cultos, missas e cerimônias, sempre se juntava uma aglomeração. Então começamos o espetáculo. A cena era três moradores de rua e dois arrumados, eles brigavam porque estavam com fome e não tinha o que comer, e então pedia para a galera que estava pra ir embora depois do Culto. Pedia dinheiro e comida, e ai os dois arrumados chegavam e dizia que era pra comprar droga. O retorno foi terrível, apenas uns dos terreiros nos atendeu sem nenhuma explicação depois da cena. Como estamos precisando de comida,... perdão Boal, mas quando tudo acabava e os atores desapareciam, eu me apresentava e falava do grupo o que aconteceu e pedia alimentos, comida e dinheiro.  

Ser visível depois de tudo foi impressionante, Em algumas igreja fomos convidados para conversar sobre o nosso grupo, certamente eles buscavam a nossa conversão, mas todos já sabia como agir, conhecia Jesus e Nietzsche, isso mesmo, até o Lampião, estávamos conscientes e conseguimos um bom alimento e recursos para sobreviver nesse final de ano.  

Meu mestre, a saudade é grande, ser curinga é bem complicado, preciso também ter o meu recurso né? Estamos em novo processo, estamos criando um espetáculo baseado no feminicídio, aqui tá complicado para quem é mulher. Estávamos trabalhando usando o Teatro Jornal, pois só que tinha na TV era mulher morrendo até chegar o vírus. Tivemos que parar!! Nossa pretensão era fazer no presídio e principalmente na área dos agressores. Por isso só tinha homens na peça, mas a direção era da Cibele, ela entrou na UnB, sim e está usando nosso grupo como pesquisa. Isso é bom, já que venho sofrendo ameaça o tempo todo por está com essa galera, foi até preso, mesmo sem prova. E ai a Cibele conduz muito bem o grupo.

É isso mesmo mestre, eu queria escrever muito e contar tudo, principalmente o triste momento que estamos vivendo com um fascista no poder e levado pela democracia com a ajuda da nossa velha imprensa.  Eu acredito aonde você está tem mais coisa para se preocupar. Fique sabendo que estamos propagando o nosso teatro do oprimido e que agora está mais do que nunca precisando abrir os olhos dos oprimidos, Os nossos direitos estão sendo retirado a granel. Se você se encontrar com Giordano Bruno, avisa pra ele que a galera nem liga para questão geocentrismo ou heliocentrismo e que a moda agora é que a terra é plana, só para imaginar como está feio. 

Deixo aqui o meu abraço e desculpa pela escrita é que tem um opressor aqui perdido para eu dormir já. De seu discípulo!! 


Comentários

  1. A carta fala sobre todas as confusões que estamos vivendo hoje e como as pessoas ainda lidam com isso, a dificuldade de alguns de consegui alimentos por exemplo, e a ignorância de outros de continuar julgando em vez de se sensibilizar nesses tempos, mas que mesmo assim outras pessoas conseguem mostrar que ainda existe esperança.\ Fernanda cor jesu

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  2. oi, sou a Clarissa do Cor jesu, meu comentário: gostei bastante da ideia do teatro sobre feminicídio, pois é uma realidade vivida há tanto tempo e é sempre bom retomar.

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  3. achei bem legal a sua atitude sobre as apresentações em frente das igrejas , também achei engraçado e legal a estrutura do texto.

    Fernando, aluno do Cor Jesu

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  4. João Ricardo, aluno do colégio Corjesu
    Gostei de como trabalharam apresentações em igrejas de diferentes religiões. Difíceis os "perrengues" que passaram.

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  5. A estrutura do texto trás uma pegada cômica e leve, em que os leitores se divertem ao ler as experiências do grupo, que por sua vez tem um projeto muito interessante ao se apresentar em frente aos templos religiosos e sobre os casos de feminicídio, um problema atual e recorrente.

    Joao Victor Raulino

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  6. Diante dos fatos supracitados, é evidente que pode haver associação entre os métodos do TO e a pandemia que vive-se atualmente, uma vez que o TO, criado por Augusto Boal em 1960, é caracterizado como um método que utiliza jogos teatrais para acalorar a discussão de assuntos sociais. Outrossim, a linguagem teatral pode estimular o bom senso, com o intuito de reparar aqueles que não têm noção dos problemas que vive-se atualmente, como a pandemia.
    Arthur Cavalcante Lima

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  7. No final da carta é possível notar a insatisfação do autor com o o atual estado político do Brasil e como ele o autor acha que o teatro do oprimido pode influenciar a abrir os olhos dos oprimidos brasileiros perante o péssimo governo que estamos passando
    Hyan Praxedes

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  8. Na carta é possível perceber como os acontecimentos políticos podem afetar as áreas artísticas, como o teatro. O autor deixa claro que o teatro do oprimido pode ajudar os brasileiros a enxergarem a situação caótica em que o país se encontra, além de mostrar a importância da abordagem de temas atuais e recorrentes que ainda não são discutidos da devida forma na sociedade, como o feminicídio.

    Alana Marques

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  9. Olá, me chamo Maria Eduarda Veloso Sampaio, estudante do colegio Espu Coc.
    Na carta é possivel perceber que desde o inicio ao final o autor esta insatisfeito com as questões politicas de sua cidade, no qual ressalta que esta sentindo muita falta do teatro do oprimido, no qual o autor deixa bem claro que ele poderia ajudar o brasileiro a enxergar coisas que estão obscuras.

    Maria Eduarda Veloso Sampaio

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  10. A carta mostra como o autor está muito insatisfeito com a política pública brasileira e como isso e a pandemia o afeta, fazendo ele ficar longe de seu grupo e de seus amigos onde ajudavam a eles mesmo a alguns ficarem longe de drogas e a terem o que comer depois das apresentações.
    Andressa Nogueira Ferreira

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  11. O interessante dessa carta é a maneira descontraída e leve com que retrata dos assuntos atuais que estão incomodando no momento. Como isso ta afetando o meio artístico, então o teatro do oprimido pode ajudar a sociedade a enxergar essas situações.

    Millena Neves Mariano Pozzo - coc

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  12. Ao ler a carta, vejo o amor que o autor tem pela filosofia de Boal e o mesmo como pessoa. A forma e a linguagem cotidiana traz uma ideia de algo corriqueiro, uma conversa de amigos em que um conta o que está acontecendo no dia a dia, sem floreios. A humildade do ator e sua busca por utilizar o pouco para conscientizar os muitos é algo admirável. São discípulos como esse que Boal buscava e creio que tem a honra de ter-los.

    -Isaque dos Santos Sousa 3 EM do Colégio ESPU-COC Taguatinga

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  13. A leitura dessa carta, se torna interessante a cada parágrafo, com o uso da linguagem coloquial, torna a leitura ainda mais aprazível. O autor deixa de maneira sucinta tamanho descontentamento com a atual gestão política, além disso, retrata problemas presentes em nossa sociedade, com isso traz conhecimento sobre um assunto em que muitos são leigos, e tudo isso a partir do teatro.
    - Ana Clara Araújo

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  14. Com a leitura da carta, pode se observar o sentimento de descontentamento do autor com a política e com o momento que estamos vivendo, com a pandemia. Onde ele mostra a falta que faz o teatro do oprimido no seu dia a dia e de seus amigos, e como isso era importante para desempenhar a tão importante ajuda ao próximo.
    - João Pedro Oliveira de Araújo.

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